Quem é Rey?


Antecipadamente, preciso me desculpar com as pessoas – pouquíssimas, mas muito importantes – que acessam ou seguem este blog, pois nesta postagem farei algo diferente: falarei exclusivamente do último filme de Star Wars e de como cheguei à minha própria teoria a respeito de quem é a personagem central: Rey.

Portanto, quem não gosta do assunto, ou então, quem não assistiu e ainda pretende assistir, peço que nem continue e conto com sua compreensão desta vez. Muito obrigado. Feito isso…

Após ter assistido “Star Wars VII – O Despertar da Força” no primeiro horário do primeiro dia de exibição no Brasil, claro, esperei por um momento mais adequado, já com todas as dúvidas possíveis devidamente “anotadas”, para rever o melhor filme da saga até o momento.

Passadas cinco semanas da estreia, os verdadeiros fãs não estavam mais presentes na sala. Apesar do cinema ainda bem cheio, havia cadeiras vazias. Estranho. Mais estranho ainda quando surge na tela o logotipo clássico de Star Wars, ao mesmo tempo em que a sala do IMAX explode com a música oficial da saga, e ninguém se manifesta. Frustrante. Mas percebo que não estou mesmo “em casa” quando surge na telona, jogada num ferro velho qualquer do planeta Jakku, a mítica Millenium Falcon, de nada mais nada menos do que Han Solo, e ninguém dá sequer um suspiro um pouco mais pronunciado. Mas tudo bem. Felizmente, pude vivenciar as histerias dos verdadeiros fãs havia cinco semanas, minimizando a sensação de ser eu um estranho completamente louco.

Tinha uma lição de casa pra fazer: rever atenciosamente várias cenas estratégicas, visando refletir melhor sobre as diversas hipóteses exaustivamente discutidas com outros colegas estranhos sobre o filme, principalmente as chamadas “Visões de Rey”, que pareciam conter informações chaves para algumas perguntas aparentemente sem respostas sobre o filme VII e sobre as sequências. Mas as coisas não saíram bem como previsto. Saíram melhores.

Após as primeiras, eletrizantes e fantásticas cenas de ação, nas grandes dunas do planeta Jakku, pendurada nas ruínas do interior de um Destroyer do então derrotado Império Galáctico surge Rey: uma menina enigmática cuja origem e história são desconhecidas. Eu sabia que as cenas que viriam a seguir não eram assim tão importantes para meus objetivos. Porém, não demorou até que eu tivesse uma surpresa.

Uma sensação estranha surge numa cena em que Rey senta e resolve descansar numa sombra em meio a carcaças de naves espaciais abandonadas. Essa sensação esquisita quando ela mostra seu rosto pela primeira vez no filme. Era uma sensação “familiar”, como se eu já tivesse visto aquele rosto antes. Mas onde?

Assim que Rey descobre seu rosto ela vê uma aeronave longínqua, decolando em direção ao espaço. Rey simplesmente pára e passa apenas a observar aquele movimento, como se quisesse aquilo, como se sentisse falta. Mas por que ela sentiria falta daquilo se ela cresceu como uma simples coletora de sucata em Jakku?

O leve incômodo interrogativo dá então lugar ao susto, à total surpresa: não pode ser tão óbvio!

Logo em seguida à passagem da aeronave distante, Rey pega, em seu monte de sucatas recolhidas, um capacete velho e empoeirado, possivelmente de um piloto de algum tipo de aeronave espacial, e o veste, como se tentando suprir aquela sensação que lhe faz falta. Nesse momento a ficha cai para mim: a imagem é extremamente reveladora. Pensei: essa cena não foi colocada aí sem um propósito. A “semelhança” é assustadora. Aquela sensação incômoda ao ver seu rosto e achar que já a tinha visto antes dá lugar a outra sensação: a da certeza de tê-la visto sim, com um capacete praticamente igual, só que em outro “momento” da saga: um menino.

Já com uma ideia maluca na cabeça, continuei assistindo ao filme, mas com uma inesperada intensidade de atenção a todos os detalhes que pudessem descartar ou reforçar a teoria que começava a surgir em minha mente confusa.

Chega o momento em que Rey se vê obrigada a pilotar a épica Millenium Falcon, junto com Finn e BB-8, na tentativa de fugir de um ataque da Primeira Ordem a Jakku, planeta onde estavam, ataque esse com o objetivo de capturar o androide. Pois é nesse momento que surge outro “detalhe”, mais uma informação, que alimenta ainda mais minha ideia maluca: ainda pilotando a nave e manobrando-a de forma impressionante, Rey diz a Finn que não entende como sabe pilotar daquele jeito sem qualquer tipo de treinamento. Ou seja, toda a informação, mesmo que apenas em nível inconsciente, que torna possível que ela seja uma exímia pilota, já estava com ela. Já era parte dela.

Quem mais, na saga Star Wars, era um(a) piloto(a) exímio(a)? Por que ela não precisou de treinamento para suas habilidades incríveis de pilotagem? Como ela já sabia pilotar?

Mais adiante no filme, já ao lado de Han Solo como co-pilota na Millenium Falcon, Rey também mostra uma incrível capacidade de lidar com peças, motores e engrenagens de modo geral, chegando até mesmo a compreender o mecanismo de engenharia de propulsão no hiper-espaço da nave de Han Solo. Han Solo fica espantando ao vê-la explicar o problema que a instalação de um compressor poderia causar no sistema de propulsão da nave. Em várias outras partes do filme, Rey demonstra uma habilidade incrível de mecânica. Quem mais na saga Star Wars demonstrava tais habilidades, juntamente com a habilidade de pilotagem acima da média?

Já quando começam as batalhas em terra, Han Solo entrega a Rey uma arma, algo que se aproxima a um “revólver”, uma arma de disparo. Além de um bastão, Rey jamais tinha usado uma arma de verdade. O interessante, que chega a surpreender à própria Rey, é que, bastou destravar a arma e dar o primeiro tiro para que ela passasse a usar a arma com perfeição. Mais um atributo cujo treinamento se mostrou desnecessário. Rey surpreende-se o tempo todo consigo mesma, tendo em vista as coisas que ela sabe fazer e não tinha conhecimento disso.

Mas finalmente a coisa ficou mais séria.

Mais adiante, no palácio de Maz Kanata, após descobrir a mentira de Finn sobre ele pertencer à Resistência, e após vê-lo fugir ao invés de cumprir a missão de levar BB-8 para a sede da resistência, Rey caminha pelos corredores quando começa a ouvir a voz de uma criança, ou melhor, sua própria voz. A voz da criança dizendo implorando a “eles” que fiquem é a voz de Rey, ainda criança, no instante em que foi deixada no planeta Jakku. Rey então decide ir atrás dessa voz, pois a mesma parece vir especificamente de um dos corredores do palácio.

Ao encontrar a sala de onde aparentemente vem a voz, junto a vários itens velhos e empoeirados, ela se depara com um baú que parece lhe atrair irresistivelmente. Ao abri-lo, um sabre de luz. Nesse instante ela não está mais apenas no palácio, mas passa a estar em vários locais ao mesmo tempo. São as chamadas “visões de Rey”.

A primeira cena que ela presencia mostra Luke, de capuz, à noite, próximo a chamas, colocando uma de suas mãos em R2D2. Logo em seguida ela está em Jakku, ainda criança, vendo a nave “deles” decolando após tê-la deixado com alguém. Em seguida, está adiante dos Cavaleiros de Ren, numa noite onde chove muito, com Kylo Ren e seu sabre vermelho em forma de cruz adiante dos outros, pois ele é o mestre da ordem. Depois vê a si mesma sendo ameaçada por Kylo no que parece ser um duelo num local repleto de neve. Em sua última visão ela volta a ver a si mesma sendo deixada em Jakku.

Ao voltar a si, muito assustada com tudo aquilo, percebe Maz Kanata vindo a seu encontro. Kanata resolve conversar com ela sobre o ocorrido e lhe diz que, como ela já deve saber, quem a deixou em Jakku não irá mais voltar. Seu destino, Luke, não está no passado e sim à frente de seu tempo. Então lhe revela que aquele sabre, que antes pertenceu a Luke Skywalker, e antes disso a seu pai, Anakyn Skywalker, agora chama por ela.

Muito interessante essa informação. Um sabre que pertenceu a dois Skywalkers, feito por Anakyn, agora passa a chamar por ela? Faltam informações para fazer deduções mais detalhadas a respeito disso, porém, inegavelmente, isso sugere uma forte ligação entre ela e os Skywalkers. A Força, manifestada e atuante no sabre, tendo em vista a “linhagem” a que ele pertence, não “escolheria” alguém aleatoriamente para mostrar-lhe algumas coisas e para possui-lo novamente. Quem é Rey? Temos que ser cautelosos ao arriscar uma resposta. Mas frente à ligação dela que o sabre estabelece com ela, não preciso de tanta cautela assim para arriscar dizer que, de alguma forma, ela é sim uma Skywalker. De alguma forma…

Mas sigamos com os “fatos”.

Rey é feita prisioneira por Kylo Ren. Assim que ela se vê sozinha com alguns guardas, stormtroopers, ela diz a um deles que ele a deixará ir (o ator por trás do uniforme do stormtrooper é nada mais nada menos que o home que interpreta o principal espião da coroa britânica, Daniel Craig). O stormtrooper responde a ela que a prenderá mais ainda. Ela então fica mais calma e serena, muda o tom de voz para algo mais suave, tranquilizador e ao mesmo tempo mais firme e seguro, voltando a dizer a ele a mesma coisa. Desta vez ele repete o que ela diz e passa a obedecê-la. Ao constatar isso ela também diz a ele que ele irá deixar cair sua arma.

O uso da Força! Pela primeira vez no filme ela passa a senti-la e passa também a saber que pode usa-la. Mas o “detalhe” é: ela sabe usa-la! Ela simplesmente executa um velho “truque” Jedi de manipulação mental, mais uma vez sem qualquer treinamento pra isso. Vale a pena lembrar que Luke Skywalker teve que dar duro pra conseguir usar esse e outros “truques” Jedi’s. Assim como ela entende de mecânica e engenharia e é uma pilota fenomenal, ela também sabe usar a Força, tudo isso sem que ninguém diga nada a ela. Como alguém faz isso? A não ser que exista nela uma espécie de “programação”, um “código-fonte”, capaz de torna-la imensamente capacitada, mais do que o “normal”, para essas e outras façanhas.

Chega o momento que ela mesma havia visualizado antes: o duelo com Kylo Ren, no qual finalmente estão contidos meus últimos argumentos para arriscar dizer quem é Rey.

Antes de lutar com Rey, Kylo Ren desarma Finn, que até então estava usando o sabre que pertenceu aos Skywalkers para lutar com Kylo. Finn é ferido quase fatalmente e o sabre fica fincado na neve. É quando Kylo usa sua habilidade de telecinese (mover objetos com a mente) – poder usado ancestralmente tanto pelos Jedi’s quanto pelos Sith’s – para atrair o sabre até ele. Mas dessa vez algo sai errado. O sabre é arrancado da neve, passa diretamente por ele e chega às mãos de Rey. O sabre volta às mãos de seu “antigo dono”.

Rey mais uma vez demonstra um capacidade acima do normal de usar a Força, além de saber, mais uma vez sem qualquer informação ou treinamento, usar perfeitamente um poder, uma capacidade, dos guerreiros da Força.

Ao lutar com Kylo Ren, mais uma vez Rey lembra de como usar a Força. Ela aproveita uma pausa no duelo, fecha os olhos, concentra-se, torna-se mais serena e absorve a Força para si, retornando ao combate com um nível de técnica, força e violência que simplesmente deixa Kylo no chão, quase em pedaços. Por forças maiores ela não acabou de uma vez por todas com o filho de Han e Léia.

Fica claro que Rey não foi treinada, mas simplesmente “sabe” o que fazer e como fazer. Ela não adquire gradualmente conhecimento ou técnica. Ela apenas lembra o que já sabe. Não resta dúvida que a “informação” e a “programação” para isso já é parte de Rey. Sem isso nada disso seria possível. A Força nunca atuou assim com ninguém antes. A Força nunca “capacitou” instantaneamente um guerreiro, seja ele ou ela Jedi ou Sith, simplesmente pelo fato desse ou dessa ter decidido ajudar o lado da luz ou o lado sombrio.

Por que Finn, que também nunca havia pego um sabre de luz, não soube também enfrentar Kylo Ren? Rey também nunca o tinha feito. A diferença entre os dois é estrondosa, monstruosa. Rey sabe, conhece, lembra. Finn não. Rey possui algo que Finn não possui. Além disso, Rey demonstra uma capacidade de uso e de interação com a Força bem acima da média de quase todos os guerreiros ao longo de toda a saga, quase todos. Havia alguém acima da média também. Mas pra isso, temos que voltar um pouco no tempo.

Há muito tempo, numa galáxia muito distante, havia um grande mestre Jedi chamado Qui-Gon. Em suas viagens e missões encontrou um menino. Um menino diferente, o qual o mestre Jedi observou com atenção e notou que ele poderia ser especial. Um menino que sonhava em sair de suas condições precárias num planeta isolado para voar em naves espaciais pelo espaço. Um menino com um talento incrível para mecânica e engenharia, que fazia seus próprios dróides e até mesmo seus próprios veículos de corrida. Um menino com uma capacidade acima da média em pilotar tais veículos, que futuramente se tornaria um piloto exímio. Um menino que sonhava em se tornar um grande guerreiro da Força, a princípio, através dos caminhos traçados pelos cavaleiros Jedi’s. Um menino que se mostrou tão promissor que fez com que o grande mestre Qui-gon tivesse curiosidade suficiente para retirar do garoto uma amostra de sangue e enviar os dados para que fossem analisados no palácio da ordem dos cavaleiros Jedi’s, a fim de medir a quantidade de Midi-Chlorians na corrente sanguínea do menino.

Talvez seja preciso lembrar que Midi-Chlorians seriam formas de vida microscópicas, “inteligentes”, que viveriam dentro das células, sendo os responsáveis pela interação da Força com o corpo de uma determinada forma de vida. Eles não seriam, no entanto, a Força em si, sendo apenas uma ligação com ela. Na sua essência, os Midi-Chlorians seriam então a conexão entre a mente do ser e a Força, fazendo com que certos seres fossem capazes de manipulá-la e vice-versa.

Qui-Gon tem uma grande surpresa ao constatar que o resultado dos exames demonstram uma quantidade de Midi-Chlorians muito acima do conhecido na história dos guerreiros Jedi’s, deduzindo com isso que o garoto possa ser quem a profecia dizia ser o Jedi que traria equilíbrio à Força. Com isso decide leva-lo e treina-lo. O resto dessa história vocês todos conhecem.

Uma quantidade de Midi-Chlorians muito acima do “normal”. Uma capacidade de interação com a Força bem mais poderosa que os demais. A habilidade com a mecânica. A exímia tendência natural a ser um grande piloto. A vontade de ir além, de romper com suas fronteiras e com uma vida que não serve a nenhum propósito, sentindo-se em casa apenas ao finalmente adentrar espaço afora e visualizar uma galáxia inteira a seu dispor. Assim era Anakyn Skywalker. Assim é Rey.

Ao ver descobrir seu rosto pela primeira vez no filme eu vi o rosto de Anakyn quando criança. A semelhança me chamou a atenção sem eu estar exatamente pensando sobre isso. Mas daí veio a cena chave! A mais importante: Rey coloca um capacete de piloto de nave espacial. Foi ali que eu tomei um grande susto e pensei: é Anakyn! Não pode ser tão óbvio. Não acredito que essa cena tenha sido em vão. A meu ver ela é uma informação precisa e preciosa, colocada de forma visual e poética. Foi depois dessa cena que observei todas as semelhanças descritas neste texto e, pra mim, tudo passou a fazer muito sentido. Mas está faltando algo. Eu digo que Rey é na verdade Anakyn Skywalker, mas… como?

Não. Ela não seria Anakyn. Ela é Rey. Também, como fiquei sabendo recentemente que alguns já afirmaram, ela também não seria sua reencarnação. Longe disso. Explico minha teoria…

O sangue de Anakyn foi coletado por Qui-gon quando ele era criança a enviado ao templo Jedi, onde teria ficado armazenado por muito tempo, até mesmo por muito tempo após o ataque final de Vader ao templo. O sangue de Anakyn, ou se quisermos, de Darth Vader, era acessível.

A meu ver, em algum momento ainda desconhecido a todos nós, Luke Skywalker, acredita ter motivos suficientes para obter e usar o sangue de seu pai. Com quais objetivos? Trazer à tona um grande e poderoso cavalheiro Jedi quando fosse necessário? Dar a seu pai a chance que ele não teve e lutar finalmente ao lado da luz, ajudando a exterminar finalmente os guerreiros do lado sombrio? Simplesmente poder lutar ao lado de seu pai como ele nunca pôde fazer? Enfim, haveriam razões conhecidas e desconhecidas para isso.

Haveria também outra forma de Luke ter acesso ao sangue de seu pai. Vale a pena lembrar que Luke esteve sozinho com seu pai e preparou todo o cenário para sua cremação após a morte de Vader. Não sabemos o que teria ocorrido nesse momento ou logo depois. Histórias não contadas. Mas continuando…

A meu ver, Rey foi concebida não para ser Anakyn, mas com o sangue de Anakyn: uma clonagem. Uma clonagem que fez com que ela herdasse suas características, assim como sua grande e acima do normal capacidade de interação com a Força. Uma clonagem que a tornou uma sonhadora das estrelas. Uma clonagem que a transformou numa excepcional mecânica. Uma clonagem que fez com que ela soubesse pilotar incrivelmente a lendária Millenium Falcon sem qualquer tipo de treinamento. Uma clonagem que fez com que ela simplesmente soubesse usar a Força. Que fez com que ela lembrasse como usar a Força. Uma clonagem que fez com que o sabre de Anakyn o reconhecesse nela e chamasse por ela. Uma clonagem que mostrou a ela que ela já conhecia a Força de tal forma a conseguir derrotar Kylo Ren em seu primeiro duelo e sem qualquer treinamento pra isso. Uma clonagem que fez com que Luke programasse R2D2 para sair do modo de economia de energia apenas quando ela finalmente fosse a pessoa capaz de encontra-lo. Uma clonagem que fez com que, simbolicamente, Anakyn entregasse seu sabre a Luke para finalmente lutarem junto contra a opressão do lado sombrio. E, finalmente, uma clonagem que finalmente teria dado sentido às palavras de Luke no primeiro teaser do filme:

“A Força é poderosa em minha família”.
“Eu a tenho”.
“Minha irmã a tem”.
“Meu pai a tem”.
(ao invés de “meu pai a tinha”)

Muitos perguntaram a J. J. Abrams se ele traria Vader novamente à saga, pois é difícil para quem vive o universo de Star Wars ver o Despertar da Força sem ele. Eu gostaria que minha teoria a respeito de quem é Rey estivesse correta apenas por esse motivo. Eu jamais imaginaria uma forma tão perfeita para que esse desejo fosse atendido.

Jamais saberemos


Hoje em dia fico surpreso quando vejo alguém demonstrando algum interesse pelo universo. É praticamente uma anomalia no sistema. O universo é sempre tratado como algo estranho, esquisito, do qual, não se sabe bem porque, deve-se manter certa distância. Talvez para evitar também ser rotulado como alguém esquisito. É como se vivêssemos em outro lugar. Ou melhor, nós estamos na Terra e o universo está sabe-se lá onde. Deus está aqui, neste lugar, conosco. Nesse tal de universo só tem coisas estranhas, planetas, estrelas, galáxias, buracos negros, coisas essas as quais nada tem a ver conosco. Lá não tem ninguém ouvindo nossas preces, nos protegendo. Nada de interessante, afinal, ninguém pode nos ajudar.

Mas, de vez em quando, acontece. Alguém pergunta algo ou compartilha suas dúvidas e devaneios. Isso sim se tornou algo esquisito. Uma esquisitice mais que bem-vinda. Deixemos de ser normais por alguns minutos. Um alívio. A noção bizarra de que nós estamos num lugar e o universo está em outro, assim como a total falta de curiosidade sobre esse “outro” lugar, compõem uma normalidade da qual ainda preciso fugir ao menos de vez em quando, enquanto me restar um pouco de discernimento ou de autoconsciência.

Semana passada, ao compartilhar uma informação sobre o número de planetas extrassolares contabilizados até o momento pela equipe da Missão Kepler da NASA, fui pego de surpresa quando um ex-colega de trabalho, não só leu a notícia como ainda elaborou algumas perguntas sobre o tema. Faço questão de colocar aqui exatamente as palavras digitadas por ele, pois meus devaneios serão baseados nelas:

“Com essa filosofia, levanto apenas a seguinte questão: como podemos saber se somos os primeiros, uma raça entre milhares ou a última na cadeia evolutiva?”

Primeira pergunta: como podemos saber se somos os primeiros?

Essa pergunta leva a outra, que seria anterior:

Podemos saber se somos os primeiros?

É claro que não. Sinto muito, mas jamais saberemos tal coisa. Como foi muito bem, e exaustivamente, explicado pelo físico, professor e escritor Marcelo Gleiser em seu mais recente livro, A Ilha do Conhecimento – Os Limites da Ciência e A Busca Por Sentido, há limites, e não são poucos, para o que podemos saber.

Mas podemos saber nossa ordem de chegada aqui na Terra pelo menos: fomos os últimos a chegar. Isso mesmo. A última espécie a aparecer. A mais nova e mais imatura. Sim. Somos nós mesmos. Se, como fez o brilhante Carl Sagan em seu mítico e atemporal documentário Cosmos, nós associássemos toda a duração do universo com um calendário de 12 meses, nossa espécie teria surgido apenas nas últimas 2 horas desse ano cósmico.

Mas de onde viria essa necessidade de sabermos se somos os primeiros? Isso não é interessante? Por que precisamos correr atrás desse tipo de confirmação? Ela é natural ou imposta? Surge de uma dúvida genuína ou é imposta por algo bem maior do que nós?

Não passamos de recém-nascidos, biologicamente falando. Vivemos a maior parte dessa infância sob a plena certeza de que tudo, absolutamente tudo, girava em torno de nós. De nós como planeta, como espécime, como cultura e como indivíduos. Essa noção, esse modo de enxergar a nós mesmos e a todo o resto, é uma herança, cuja própria sociedade, em seus mais diversos aspectos, se encarrega de nos impor desde nossos primeiros passos.

Vemos a nós mesmos, nos definimos, como únicos e especiais, obra única de uma divindade também única e especial. Tudo que nos define tem que ser único e especial. É assim que desejamos nos ver. É assim que precisamos nos ver. É esse o único sentido que faz sentido pra nós. Somos únicos, especiais, imortais. Somos deuses experimentando todo o tipo de sofrimento possível para depois, por meritocracia, nos transformarmos em deuses eternos.

Com essa mentalidade impregnada desde o nascimento, é lógico que surge a vontade de sermos os primeiros a aparecer no universo. Ou seja, mesmo se houverem outros, nós continuamos sendo especiais, pois somos os primeiros. De qualquer forma, nos asseguramos da nossa condição de criaturas especiais.

Segunda pergunta: Seríamos os últimos na cadeia evolutiva?

Somos! Aqui na Terra pelo menos. Mas não os últimos na cadeia evolutiva (abordaremos “evolução” logo adiante) e sim a última espécie a surgir e evoluir até o homossapiens.

Mas e no universo? Seríamos os últimos? Haveria tortura pior para estes pequenos deuses aguardando pelo paraíso? O fato é que também não temos como saber, o que me remete automaticamente à pergunta: em que situação seria importante sabermos se fomos os primeiros ou os últimos a chegar neste cenário cósmico? A resposta é que não tenho resposta, ou melhor, não vejo como isso poderia agregar valor, fazer diferença ou ser simplesmente importante.

Mas a pergunta de meu colega faz mais sentido em sua forma completa, onde ele questiona se, evolutivamente, seríamos os últimos. Ou seja, se seríamos os mais atrasadinhos do universo.

Mais uma vez a resposta é curta: não temos como saber e nunca teremos. Mas o devaneio jamais será curto. Então quero fazer uma pequena observação sobre o conceito de evolução.

Durante a maioria do tempo em que gatinhamos por este planeta, também fomos massacrados por uma ideia onde evoluir é necessariamente avançar, ser melhor. Também fomos contaminados, espero que não irreversivelmente, pela ideia de que um macaco começou a evoluir, avançou e acabou transformando-se, literalmente como um mutante, em nós, ou seja, no homossapiens. Esses dois conceitos, distorcidos, se tornaram um problema sério. Um paradigma é rápido para ganhar forma, porém extremamente lento e difícil para ser mudado ou corrigido.

Evoluir não é, necessariamente, ser melhor. É ser mais apto. E adaptabilidade está inviolavelmente ligada ao ambiente. Quando o ambiente mudar – e ele vai -, quando as condições mudarem – e elas vão – quem não se adaptar irá perecer.

Outro aspecto necessariamente ligado à evolução é a mutação. Porém, este também terá valor dependendo do ambiente. As mutações – “erros” nas cópias dos genes no processo de reprodução – ocorrem aos milhares, ao longo de muito tempo, e serão selecionadas pelo ambiente apenas aquelas que favorecerem ou aumentarem as chances de continuar adiante, ou seja, de reprodução.

Se ocorrer um novo evento cataclísmico no planeta Terra – e vai -, já temos conhecimento de oito desses eventos, e voltarmos às condições primitivas, quase sem recursos naturais e sem tecnologia, caso quisermos continuar vivos e nos reproduzindo teremos necessariamente que evoluir. Não é estranho falar em evolução nessas condições? Parece contraditório, se pensarmos em evolução como melhoria. Mas se pensarmos em evolução como adaptação, passa a fazer muito sentido.

A humanidade não é a evolução do macaco, uma ideia difundida erroneamente, inclusive pelos livros de ciência. A humanidade pertence sim ao gênero dos primatas, dos grandes primatas, assim como gorilas, chimpanzés e orangotangos. Nós, os grandes primatas, assim como os demais primatas, símios, macacos, descendemos de um mesmo antepassado em comum, que, sem entrar em detalhes científicos, se assemelha muito mais a um pequeno roedor que sobe em árvores.

Conforme esse ancestral foi se espalhando pelos diferentes territórios, ambientes e ecossistemas, e foram se instalando, foram surgindo diferentes grupos em diferentes ambientes. Cada ambiente, com suas diferentes variáveis de ecossistema, foi selecionando diferentes mutações nesses grupos. Assim ocorreu até aquele pequeno roedor transformar-se no que somos hoje em dia, além da imensa variedade de primos que já descobrimos natureza a fora.

Com isso sabemos hoje em dia que a evolução não é necessariamente o que entendemos por melhoria, assim como, o que mais nos interessa agora, não é um processo linear. Aquela maldita imagem dos livros de história e de ciências, onde um chimpanzé vai ficando menos peludo e mais ereto até se transformar num homem, você pode esquecer definitivamente, assim como jamais mostrar tal absurdo pros seus filhos.

Perante o mecanismo evolutivo, dentro do que compreendemos até este momento, em não sendo um mecanismo linear, e levando em conta o número de espécimes diferentes que conhecemos, e tendo ideia da quantidade de ecossistemas que ainda não fomos capazes de observar, conhecer como a evolução chegou à configuração atual do planeta Terra se tornou uma tarefa praticamente incomensurável, um verdadeiro desafio faraônico. Ainda desconhecemos quase que a totalidade dos ecossistemas florestais e oceânicos do planeta e, ainda assim temos uma tarefa monstruosa pela frente para chegarmos a um nível de compreensão mínimo que nos permita chegar a um consenso sobre o que é de fato “Vida”.

Indo finalmente para a pergunta de meu colega sobre sermos ou não os últimos da cadeia evolutiva no universo, percebo que talvez ele esteja vinculando evolução com alguns valores de base da sociedade – tais como moral, ética, espiritualidade, tecnologia, economia, etc. Nesse aspecto, tendo em vista a enorme discrepância entre as culturas aqui na Terra, quem nós poderíamos eleger como referência para uma hipotética – e praticamente insana – comparação com outras hipotéticas culturas espalhadas pelo universo?

Aqui mesmo, apenas na Terra, temos um grande problema em relação a isso. Quem está na frente? Quem está abaixo? Quem está correto? Quem vive bem? Quem representa um modelo a ser seguido? Haveria uma única referência? Aqui voltamos ao mecanismo de evolução da própria natureza: é um processo linear? Não. Como medir a felicidade? Quais parâmetros usaríamos para medir o nível de evolução – como se tal nível existisse?

Repare, num contexto apenas terrestre, ou terráqueo, planetário apenas, como seria extremamente complexo definirmos algumas coisas. Existem questões que, levando-se em conta apenas nosso planeta, mesmo assim não fomos, somos ou talvez nem sejamos capazes de responde-las. Imagine tais questões aplicadas a um contexto universal.

O universo que observamos hoje tem 13,8 bilhões de anos de idade e cerca de 92 bilhões de anos-luz de extensão – que continua a crescer mais rapidamente que a velocidade da luz. Isso significa que, neste momento, se tivéssemos tecnologia para dar uma explorada ao menos superficialmente no universo, usando a velocidade da luz pra isso, demoraríamos mais de 90 bilhões de anos. São bilhões de galáxias. Milhares de trilhões de estrelas e um número maior ainda de planetas. Se vimos que algumas perguntas, aplicadas apenas ao contexto terrestre, se tornam verdadeiros desafios a serem vencidos, imagine – como se fosse possível imaginar uma coisa dessas – qualquer uma dessas perguntas aplicada num contexto universal. Não faz o menor sentido.

Já fez o exercício? Faça. Recomendo. Pegue algumas daquelas perguntas que atormentam sua alma e, levando em conta o pouco que sabemos sobre o universo até o momento, tente aplica-las a esse contexto universal. Veja como mais que rapidamente qualquer uma delas deixa de fazer qualquer sentido. Nós nem mesmo somos capazes de abstrair uma dimensão como a Terra ou o sistema solar. Imagine então se tivéssemos. Mas, mesmo assim, nossas perguntas se esvanecem frente ao oceano cósmico. Nesse momento temos a oportunidade de olhar para nós mesmos fazendo tais perguntas e constatarmos, como num espelho, o que move e motiva nossas perguntas: uma análise profunda e detalhada da realidade que queremos questionar? Ou apenas um impulso inconsciente gerado por paradigmas retrógrados e desnecessários?

Somos os primeiros? Somos os menos evoluídos? Somos apenas mais um entre muitos? Não sabemos. Jamais saberemos. Primeiros, últimos, evoluídos, não evoluídos. Extremos. Bem e mal. Certo e errado. Primeiro e último. Cartesianismo. Se nem mesmo a evolução é linear, cartesiana, olhemos para o universo. Tente imaginar como classificar evolução num cenário como esse. De qual nível de complexidade estamos falando? Inimaginável. Não sabemos. Jamais saberemos.

Só espero que sejamos uns poucos frente a “zilhões”, e que possamos descobrir, juntos, ao menos um pouco, a respeito do que se trata todo este negócio que resolvemos chamar de universo.