Jamais saberemos


Hoje em dia fico surpreso quando vejo alguém demonstrando algum interesse pelo universo. É praticamente uma anomalia no sistema. O universo é sempre tratado como algo estranho, esquisito, do qual, não se sabe bem porque, deve-se manter certa distância. Talvez para evitar também ser rotulado como alguém esquisito. É como se vivêssemos em outro lugar. Ou melhor, nós estamos na Terra e o universo está sabe-se lá onde. Deus está aqui, neste lugar, conosco. Nesse tal de universo só tem coisas estranhas, planetas, estrelas, galáxias, buracos negros, coisas essas as quais nada tem a ver conosco. Lá não tem ninguém ouvindo nossas preces, nos protegendo. Nada de interessante, afinal, ninguém pode nos ajudar.

Mas, de vez em quando, acontece. Alguém pergunta algo ou compartilha suas dúvidas e devaneios. Isso sim se tornou algo esquisito. Uma esquisitice mais que bem-vinda. Deixemos de ser normais por alguns minutos. Um alívio. A noção bizarra de que nós estamos num lugar e o universo está em outro, assim como a total falta de curiosidade sobre esse “outro” lugar, compõem uma normalidade da qual ainda preciso fugir ao menos de vez em quando, enquanto me restar um pouco de discernimento ou de autoconsciência.

Semana passada, ao compartilhar uma informação sobre o número de planetas extrassolares contabilizados até o momento pela equipe da Missão Kepler da NASA, fui pego de surpresa quando um ex-colega de trabalho, não só leu a notícia como ainda elaborou algumas perguntas sobre o tema. Faço questão de colocar aqui exatamente as palavras digitadas por ele, pois meus devaneios serão baseados nelas:

“Com essa filosofia, levanto apenas a seguinte questão: como podemos saber se somos os primeiros, uma raça entre milhares ou a última na cadeia evolutiva?”

Primeira pergunta: como podemos saber se somos os primeiros?

Essa pergunta leva a outra, que seria anterior:

Podemos saber se somos os primeiros?

É claro que não. Sinto muito, mas jamais saberemos tal coisa. Como foi muito bem, e exaustivamente, explicado pelo físico, professor e escritor Marcelo Gleiser em seu mais recente livro, A Ilha do Conhecimento – Os Limites da Ciência e A Busca Por Sentido, há limites, e não são poucos, para o que podemos saber.

Mas podemos saber nossa ordem de chegada aqui na Terra pelo menos: fomos os últimos a chegar. Isso mesmo. A última espécie a aparecer. A mais nova e mais imatura. Sim. Somos nós mesmos. Se, como fez o brilhante Carl Sagan em seu mítico e atemporal documentário Cosmos, nós associássemos toda a duração do universo com um calendário de 12 meses, nossa espécie teria surgido apenas nas últimas 2 horas desse ano cósmico.

Mas de onde viria essa necessidade de sabermos se somos os primeiros? Isso não é interessante? Por que precisamos correr atrás desse tipo de confirmação? Ela é natural ou imposta? Surge de uma dúvida genuína ou é imposta por algo bem maior do que nós?

Não passamos de recém-nascidos, biologicamente falando. Vivemos a maior parte dessa infância sob a plena certeza de que tudo, absolutamente tudo, girava em torno de nós. De nós como planeta, como espécime, como cultura e como indivíduos. Essa noção, esse modo de enxergar a nós mesmos e a todo o resto, é uma herança, cuja própria sociedade, em seus mais diversos aspectos, se encarrega de nos impor desde nossos primeiros passos.

Vemos a nós mesmos, nos definimos, como únicos e especiais, obra única de uma divindade também única e especial. Tudo que nos define tem que ser único e especial. É assim que desejamos nos ver. É assim que precisamos nos ver. É esse o único sentido que faz sentido pra nós. Somos únicos, especiais, imortais. Somos deuses experimentando todo o tipo de sofrimento possível para depois, por meritocracia, nos transformarmos em deuses eternos.

Com essa mentalidade impregnada desde o nascimento, é lógico que surge a vontade de sermos os primeiros a aparecer no universo. Ou seja, mesmo se houverem outros, nós continuamos sendo especiais, pois somos os primeiros. De qualquer forma, nos asseguramos da nossa condição de criaturas especiais.

Segunda pergunta: Seríamos os últimos na cadeia evolutiva?

Somos! Aqui na Terra pelo menos. Mas não os últimos na cadeia evolutiva (abordaremos “evolução” logo adiante) e sim a última espécie a surgir e evoluir até o homossapiens.

Mas e no universo? Seríamos os últimos? Haveria tortura pior para estes pequenos deuses aguardando pelo paraíso? O fato é que também não temos como saber, o que me remete automaticamente à pergunta: em que situação seria importante sabermos se fomos os primeiros ou os últimos a chegar neste cenário cósmico? A resposta é que não tenho resposta, ou melhor, não vejo como isso poderia agregar valor, fazer diferença ou ser simplesmente importante.

Mas a pergunta de meu colega faz mais sentido em sua forma completa, onde ele questiona se, evolutivamente, seríamos os últimos. Ou seja, se seríamos os mais atrasadinhos do universo.

Mais uma vez a resposta é curta: não temos como saber e nunca teremos. Mas o devaneio jamais será curto. Então quero fazer uma pequena observação sobre o conceito de evolução.

Durante a maioria do tempo em que gatinhamos por este planeta, também fomos massacrados por uma ideia onde evoluir é necessariamente avançar, ser melhor. Também fomos contaminados, espero que não irreversivelmente, pela ideia de que um macaco começou a evoluir, avançou e acabou transformando-se, literalmente como um mutante, em nós, ou seja, no homossapiens. Esses dois conceitos, distorcidos, se tornaram um problema sério. Um paradigma é rápido para ganhar forma, porém extremamente lento e difícil para ser mudado ou corrigido.

Evoluir não é, necessariamente, ser melhor. É ser mais apto. E adaptabilidade está inviolavelmente ligada ao ambiente. Quando o ambiente mudar – e ele vai -, quando as condições mudarem – e elas vão – quem não se adaptar irá perecer.

Outro aspecto necessariamente ligado à evolução é a mutação. Porém, este também terá valor dependendo do ambiente. As mutações – “erros” nas cópias dos genes no processo de reprodução – ocorrem aos milhares, ao longo de muito tempo, e serão selecionadas pelo ambiente apenas aquelas que favorecerem ou aumentarem as chances de continuar adiante, ou seja, de reprodução.

Se ocorrer um novo evento cataclísmico no planeta Terra – e vai -, já temos conhecimento de oito desses eventos, e voltarmos às condições primitivas, quase sem recursos naturais e sem tecnologia, caso quisermos continuar vivos e nos reproduzindo teremos necessariamente que evoluir. Não é estranho falar em evolução nessas condições? Parece contraditório, se pensarmos em evolução como melhoria. Mas se pensarmos em evolução como adaptação, passa a fazer muito sentido.

A humanidade não é a evolução do macaco, uma ideia difundida erroneamente, inclusive pelos livros de ciência. A humanidade pertence sim ao gênero dos primatas, dos grandes primatas, assim como gorilas, chimpanzés e orangotangos. Nós, os grandes primatas, assim como os demais primatas, símios, macacos, descendemos de um mesmo antepassado em comum, que, sem entrar em detalhes científicos, se assemelha muito mais a um pequeno roedor que sobe em árvores.

Conforme esse ancestral foi se espalhando pelos diferentes territórios, ambientes e ecossistemas, e foram se instalando, foram surgindo diferentes grupos em diferentes ambientes. Cada ambiente, com suas diferentes variáveis de ecossistema, foi selecionando diferentes mutações nesses grupos. Assim ocorreu até aquele pequeno roedor transformar-se no que somos hoje em dia, além da imensa variedade de primos que já descobrimos natureza a fora.

Com isso sabemos hoje em dia que a evolução não é necessariamente o que entendemos por melhoria, assim como, o que mais nos interessa agora, não é um processo linear. Aquela maldita imagem dos livros de história e de ciências, onde um chimpanzé vai ficando menos peludo e mais ereto até se transformar num homem, você pode esquecer definitivamente, assim como jamais mostrar tal absurdo pros seus filhos.

Perante o mecanismo evolutivo, dentro do que compreendemos até este momento, em não sendo um mecanismo linear, e levando em conta o número de espécimes diferentes que conhecemos, e tendo ideia da quantidade de ecossistemas que ainda não fomos capazes de observar, conhecer como a evolução chegou à configuração atual do planeta Terra se tornou uma tarefa praticamente incomensurável, um verdadeiro desafio faraônico. Ainda desconhecemos quase que a totalidade dos ecossistemas florestais e oceânicos do planeta e, ainda assim temos uma tarefa monstruosa pela frente para chegarmos a um nível de compreensão mínimo que nos permita chegar a um consenso sobre o que é de fato “Vida”.

Indo finalmente para a pergunta de meu colega sobre sermos ou não os últimos da cadeia evolutiva no universo, percebo que talvez ele esteja vinculando evolução com alguns valores de base da sociedade – tais como moral, ética, espiritualidade, tecnologia, economia, etc. Nesse aspecto, tendo em vista a enorme discrepância entre as culturas aqui na Terra, quem nós poderíamos eleger como referência para uma hipotética – e praticamente insana – comparação com outras hipotéticas culturas espalhadas pelo universo?

Aqui mesmo, apenas na Terra, temos um grande problema em relação a isso. Quem está na frente? Quem está abaixo? Quem está correto? Quem vive bem? Quem representa um modelo a ser seguido? Haveria uma única referência? Aqui voltamos ao mecanismo de evolução da própria natureza: é um processo linear? Não. Como medir a felicidade? Quais parâmetros usaríamos para medir o nível de evolução – como se tal nível existisse?

Repare, num contexto apenas terrestre, ou terráqueo, planetário apenas, como seria extremamente complexo definirmos algumas coisas. Existem questões que, levando-se em conta apenas nosso planeta, mesmo assim não fomos, somos ou talvez nem sejamos capazes de responde-las. Imagine tais questões aplicadas a um contexto universal.

O universo que observamos hoje tem 13,8 bilhões de anos de idade e cerca de 92 bilhões de anos-luz de extensão – que continua a crescer mais rapidamente que a velocidade da luz. Isso significa que, neste momento, se tivéssemos tecnologia para dar uma explorada ao menos superficialmente no universo, usando a velocidade da luz pra isso, demoraríamos mais de 90 bilhões de anos. São bilhões de galáxias. Milhares de trilhões de estrelas e um número maior ainda de planetas. Se vimos que algumas perguntas, aplicadas apenas ao contexto terrestre, se tornam verdadeiros desafios a serem vencidos, imagine – como se fosse possível imaginar uma coisa dessas – qualquer uma dessas perguntas aplicada num contexto universal. Não faz o menor sentido.

Já fez o exercício? Faça. Recomendo. Pegue algumas daquelas perguntas que atormentam sua alma e, levando em conta o pouco que sabemos sobre o universo até o momento, tente aplica-las a esse contexto universal. Veja como mais que rapidamente qualquer uma delas deixa de fazer qualquer sentido. Nós nem mesmo somos capazes de abstrair uma dimensão como a Terra ou o sistema solar. Imagine então se tivéssemos. Mas, mesmo assim, nossas perguntas se esvanecem frente ao oceano cósmico. Nesse momento temos a oportunidade de olhar para nós mesmos fazendo tais perguntas e constatarmos, como num espelho, o que move e motiva nossas perguntas: uma análise profunda e detalhada da realidade que queremos questionar? Ou apenas um impulso inconsciente gerado por paradigmas retrógrados e desnecessários?

Somos os primeiros? Somos os menos evoluídos? Somos apenas mais um entre muitos? Não sabemos. Jamais saberemos. Primeiros, últimos, evoluídos, não evoluídos. Extremos. Bem e mal. Certo e errado. Primeiro e último. Cartesianismo. Se nem mesmo a evolução é linear, cartesiana, olhemos para o universo. Tente imaginar como classificar evolução num cenário como esse. De qual nível de complexidade estamos falando? Inimaginável. Não sabemos. Jamais saberemos.

Só espero que sejamos uns poucos frente a “zilhões”, e que possamos descobrir, juntos, ao menos um pouco, a respeito do que se trata todo este negócio que resolvemos chamar de universo.

Interestelar


Semanas atrás estava com um amigo em frente a uma sala de exibição IMAX e foi inevitável falarmos, mesmo de forma rápida e rasa como de costume, sobre o filme Interestelar. Mencionei que o filme trata de um problema que, cedo ou tarde, teremos que enfrentar, ou seja, acharmos outro planeta para morar.

O que me chamou a atenção foi a rápida opinião do meu colega sobre o assunto: esse tipo de coisa não me interessa.

Depois de ler várias reportagens sobre o filme e também assistir ao making off, acredito que tenha sido justamente a opinião do meu colega que tenha levado Christopher Nolan a fazer o filme. Mas não vou entrar nesse mérito agora. Deixo quem for assistir ao filme tirar suas conclusões.

O que eu não consigo deixar de pensar é na anomalia. Explico.

A maioria das pessoas tem uma noção separatista entre si mesmas e o universo. O espaço parece a elas como um lugar o qual deva ser ignorado, mesmo que elas não saibam o porquê pensam assim. Para elas o espaço, o universo, é algo à parte, sem propósito algum, como que um baita desperdício de espaço, tendo em vista que Deus teria focado seus esforços aqui, somente aqui na Terra. É uma noção – mais que uma noção uma sensação concreta – de separação total. A Terra é um lugar e todo o universo é outro. Dessa forma, é mais que compreensível o desinteresse total pelo que seria o “resto”.

É aqui que reside a anomalia: o universo virando as coisas a si mesmo.

Carl Sagan disse que somos – a criatura pensante – a forma com a qual o universo percebe e compreende a si mesmo. Isso pode parecer poético, filosófico. De fato é. Mas não só isso. É científico. Somos feitos, nós, e também todas as formas de vida da Terra, assim como o restante do material terrestre que não classificamos como vida, do mesmíssimo material de todo o restante do universo. Não há qualquer separação entre a Terra e o Universo, a não ser na mente humana. A Terra não está no universo. Ela é parte dele.

Podemos dizer que nosso cérebro está em nós? Como se ele fosse alguma coisa e nós fôssemos outra? Óbvio que não. Da mesma forma a Terra é parte do universo. E o mais importante pra agora: nós somos o universo. Não estamos nele. Somos o universo. Se alguém olhar o universo de fora não terá como separar coisa alguma. Tudo o que ela estará vendo forma o universo. E nós estaremos lá. Por isso Carl Sagan citou tal frase. E a anomalia, a meu ver, acontece justamente quando nós, a maneira pela qual o universo percebe e compreende a si mesmo, decidimos que ele não é interessante. O universo dá as costas para si mesmo. Pra mim trata-se de uma das coisas mais curiosas que já pude constatar.

Porém, se tal anomalia existe, e existe, é porque as leis universais assim permitem. Se permitem, é algo passível de ocorrer como consequência natural dessas mesmas leis. Desse ponto de vista, tal anomalia só se caracteriza como tal em minha mente, nunca sendo de tal forma para o próprio universo. Enfim, mesmo sendo uma anomalia apenas para mim, a antítese da constatação de Carl Sagan, o universo desinteressado por si mesmo, será sempre algo muito curioso pra mim, o que me faz sempre querer entender as causas disso. Mas, isso também não é assunto para esta postagem.

Baseado naqueles que não se interessam pelo tema, resolvi colocar aqui alguns depoimentos das pessoas que tornaram o filme possível. Espero que sirvam de alguma forma para gerar um mínimo de reflexão sobre os porquês de terem realizado tal projeto. Pra mim, após assistir ao filme, acho que ele pode propiciar longas e boas conversas. Minha única conclusão certa sobre Interestelar é também sua mensagem mais importante: se temos um problema, nós mesmos teremos que resolvê-lo. A seguir, os depoimentos.

“A viagem espacial sempre foi o desafio supremo. Acho que temos uma geração que absorveu a ideia do progresso tecnológico como sendo algo totalmente terrestre, voltado apenas para tornar nossa vida diária mais fácil, em oposição ao caráter especial e à natureza extraordinária de um grupo seleto de pessoas buscando exceder os limites de onde a raça humana, a espécie humana, já chegou.” (Christopher Nolan – Diretor e Produtor)

“Qual é a nova fronteira? O espaço. Como dizia meu pai: “A nova fronteira não é o exército, a marinha. É a Força Aérea. É no espaço.” (Matthew McConaughey – Protagonista)

“Os humanos no espaço, assim como nosso futuro por lá, são muito importantes para nós, a raça humana. Num certo sentido, é cultural. Está em nosso DNA explorar, expandir, conhecer e compreender o universo.” (Kip Thorne – Produtor Executivo. Também considerado a maior autoridade em Teoria Gravitacional da atualidade)

“Desde o início somos exploradores e aventureiros. O ímpeto da humanidade de exceder os limites e olhar além de onde está no momento é algo muitíssimo importante e que nos distingue.” (Emma Thomas – Produtora)

“Interestelar é um filme que se passa num futuro onde o mundo está nos dizendo que nosso tempo aqui (neste planeta) acabou, que temos que abandonar o ninho e sair em direção ao resto do universo.” (Christopher Nolan – Diretor e Produtor)

“Devemos encarar a realidade de que nada em nosso sistema solar pode nos ajudar. Eu queria considerar a ideia de uma geração que tinha crescido num mundo muito diferente, para quem a exploração espacial não era um luxo ou algo teórico mas sim uma necessidade bastante desesperada.” (Jonathan Nolan – Co-Roteirista)

“Para mim, viagem espacial, exploração espacial, sempre representou a fronteira final. Está na extremidade máxima do que é a experiência humana. É tudo uma questão de tentar definir nosso lugar no universo, ou seja, o que nossa existência realmente significa.” (Christopher Nolan – Diretor e Produtor)

“Interestelar é a história de uma viagem aos confins do universo. Mas é também a história de uma família e um pai. É a história de até onde um homem está disposto a ir e quanto sacrifício está disposto a fazer pela humanidade, pelo coletivo.” (Emma Thomas – Produtora)

“Eu espero que Interestelar mobilize o interesse das pessoas nesse tipo de coisa. Seria muito emocionante se, com este filme, as pessoas entendessem que vale a pena pensar sobre tudo isto e não se limitassem apenas a assistir o Interestelar.” (Christopher Nolan – Diretor e Produtor)

Astrobiologia divina


Bem que a Igreja tentou, mas chegamos num momento tecnológico e científico que até mesmo o Vaticano concluiu que seria melhor deixar de lutar contra a Astrobiologia e se juntar a ela.

O Vaticano promoveu um encontro com grandes especialistas no assunto, alegando que está na hora de discutirmos seriamente a existência da vida fora da Terra.

Francamente, é o Vaticano que está atrasado quanto a isso. Mas, antes tarde do que nunca.

Estamos mesmo no limiar de encontrarmos as primeiras formas de vida extraterrestres e a Igreja, sabendo disso, resolveu se posicionar, inteligentemente, a favor dessa realidade.

Mas, assim como costuma ocorrer com quase todo tipo de notícia sobre ciência, a imprensa erra no título da mesma, podendo gerar interpretações distorcidas para o público em geral.

Assim como acontece nessa postagem do blog Mensageiro Sideral, da Folha de São Paulo (um ótimo blog, mais que recomendado), o erro é achar que a Astrobiologia busca por extraterrestres. Errado! Se forem encontrados, claro, será lucro (ou prejuízo, dependendo da análise e do contexto). Mas o objetivo é encontrar vida. E encontraremos.

Sabendo disso, a Igreja já está se adiantando e passou a dizer que a vida espalhada no universo faz parte da obra de Deus. Curiosamente, ela já assassinou várias pessoas por terem afirmado exatamente a mesma coisa.

Leia mais em:

Vaticano promove busca por ET’s

Um pouco de exobiologia


Afinal, existe ou não vida em outros planetas?

Essa pergunta pode ser traduzida como: Existe vida, como a da Terra, em outros planetas? A adição do contexto “vida como a da Terra” tem um motivo ao mesmo tempo simples e complicado.

O “simples” refere-se ao fato de só conhecermos vida como a da Terra. Não temos outros referenciais. Diferente disso, nem saberíamos o que procurar pelo ecossistema espacial. Outro “problema” é que nem mesmo chegamos a definir cientifica, religiosa e filosoficamente, o que é exatamente VIDA.

O “complicado” fica a cargo de corrermos o risco de nos depararmos face a face com vida e não sermos capazes de identificá-la, justamente por ser algo não existente e nunca visto na Terra.

Ao tentarmos reconhecer, fora da Terra, vida (como a da Terra) estamos falando de exobiologia. Também conhecida como astrobiologia, exopaleontologia, bioastronomia e xenobiologia, é o estudo da origem, evolução, distribuição, e o futuro da vida no Universo. Trabalha com conceitos de vida e de meios habitáveis que serão úteis para o reconhecimento de biosferas que poderão ser diferentes da nossa.

Mas, ao procuramos vida no espaço, devemos procurar por sinais de vida inteligente? Não. Muito pelo contrário.

Embora não saibamos ainda exatamente como definir vida, sabemos muito bem como a daqui funciona e como detectar sua presença em outros planetas. E o motivo de não procurarmos exatamente por sinal de vida inteligente, ao contrário do que eu pensava, não tem nada a ver com a possibilidade remota de estarmos sozinhos no universo. Vejamos.

Por “vida como a da Terra” podemos entender “micróbios”. Existem muito mais espécies e indivíduos microscópicos do que macroscópicos.

Os micróbios causam um impacto muito maior sobre a biosfera do que os seres macroscópicos. Por exemplo, a camada de ozônio (O3) é formada pela fotossíntese, produzida principalmente por algas marinhas unicelulares. Essa é a assinatura mais robusta de atividade biológica.

Micróbios anaeróbicos que se alimentam da matéria orgânica no intestino de animais e da decomposição de restos vegetais produzem uma camada de metano (CH4) na alta atmosfera. Esses gases podem ser detectados facilmente por um observador fora da Terra, enquanto os seres macroscópicos (como nós) permanecem literalmente ocultos sob a atmosfera, sob a água ou enterrados no solo.

A contaminação biológica por micróbios é facilmente detectável. Mais do que isso, essa forma simples de vida infesta nosso planeta há 3,5 bilhões de anos, contra 0,6 bilhão de anos da vida macroscópica.

A janela temporal dá uma grande vantagem de detecção aos micróbios. Os extraterrestres atuais são invisíveis à nossa tecnologia, tornando os micróbios mais fáceis de serem encontrados. Mas, a probabilidade de vida como a da Terra seria alta ou baixa em outros planetas?

As células tem alta percentagem de água, indicando a importância do meio líquido para elas. Nesse aspecto, a Terra é um local árido para os padrões cósmicos. A água é uma das substâncias mais comuns e mais antigas do universo. Ela se formou usando o hidrogênio gerado no Big Bang e o oxigênio expelido na morte da primeira geração de grandes estrelas, há 13,5 bilhões de anos. Os outros átomos biogênicos, nitrogênio e carbono, também foram formados há mais de 12 bilhões de anos e estão entre os mais abundantes do universo.

Então prove!


Quem assistiu ao filme, ou leu ao livro, Contato, do insubstituível mestre Carl Sagan, com certeza não se esqueceu de um dos principais diálogos entre a Dra. Eleanor Arroway, cientista e pesquisadora de sinais de vida extraterrestre, e o teólogo e escritor Palmer Joss:

Palmer: Você amava seu pai?
Eleanor: Mas claro!
Palmer: Então prove.

Trata-se de um dos vários diálogos geniais, idealizados por Carl Sagan, cujo objetivo é gerar a reflexão entre a velha – e, a meu ver, desnecessária – batalha entre ciência e religião. A parte que mencionei do diálogo tem o objetivo preciso de lembrar ao público o seguinte fato: muitas coisas existem e não podem ser provadas.

Como um sentimento como o amor de uma filha por seu pai poderia estar sujeito à experimentação, à medição qualitativa ou quantitativa, pertinente ao método científico? Assim como um sentimento desse tipo, outros incontáveis fatos e elementos que constituem a realidade também não podem.

Por essas e outras razões considero desnecessária, e carente de qualquer sentido, toda tentativa de comparação entre ciência e religião. As duas coisas possuem objetivos completamente diferentes, não havendo a menor necessidade de se cruzarem, seja qual for o contexto.

O objetivo da ciência é explicar como são e como funcionam os fatos e elementos que compõem a realidade, de partículas a átomos, de moléculas a células, de organismos simples aos complexos, de sensações a sentimentos, de pensamentos a atitudes, da natureza aos planetas, de estrelas a galáxias, da origem ao fim do universo.

A religião não tem esse mesmo objetivo. Ela surgiu da sensação de impotência do ser humano frente à força e à indiferença da natureza, numa tentativa, até então natural, de algum tipo de controle e de sobrevivência. Trata-se de uma relação de um indivíduo com um universo sobrenatural, que não necessita de explicação e sim de significado.

Como disse Santo Agostinho, a Bíblia não deve ser interpretada literalmente e sim alegoricamente. Os problemas começam quando um fato é tratado como uma crença e vice-versa. Infelizmente, isso é o que eu mais vejo ao meu redor, gerando inúmeros problemas, desde uma simples interpretação individualizada e deformada da realidade até grandes conflitos de caráter global.

Muitas “autoridades” religiosas acabam transmitindo ao seu público uma noção equivocada ao insistirem em comparar indevidamente alegorias religiosas com fatos científicos, assim como com a falta de evidência científica sobre algum aspecto da realidade, como se tais alegorias fossem fatos.

Do mesmo modo, muitas “autoridades” da ciência fazem o mesmo estrago ao compararem determinadas descobertas com alegorias religiosas, agindo também como se tais alegorias fossem fatos. Os caminhos religiosos e científicos se cruzam pela insistência das duas partes em comparar inadequadamente as duas coisas.

Religião e ciência podem muito bem andarem de mãos dadas. Mas, para isso, é preciso doses mínimas de conhecimento sobre o que são e quais os objetivos de ambas. Existem cientistas religiosos e padres cientistas. Um cientista pode acreditar em Deus, só que não agir como se ele existisse, como se sua crença fosse um fato e sim uma possibilidade. Um religioso pode acreditar em Deus e, ao mesmo tempo, tentar compreender a fundo como surgiu, como funciona e qual o destino do universo, pois ele não transforma as leis universais em crenças e Deus em realidade.

É também um equívoco querer que a ciência prove alguma coisa. Muitos usam constantemente, e de forma inadequada, a expressão “comprovado cientificamente”. Não é assim que funciona. O significado dessa expressão não existe. Em ciência, uma informação, resultante de experimentos (verificações e repetições) feitos por cientistas do mundo todo, é considerada válida até que outros experimentos, frutos de novas observações e/ou informações, descartem, complementem ou melhorem a interpretação e a dedução anterior.

Repare como muitos religiosos, místicos, esotéricos e espiritualistas vivem, sem sentido algum, tentando depreciar a ciência, como se ela nos atrapalhasse e estivesse muito atrasada frente às suas crenças. Porém, sempre que a ciência traz uma nova descoberta cuja interpretação acabe servindo ao fortalecimento de uma de suas crenças, imediatamente eles esquecem o quanto constantemente depreciam a ciência e passam a repetir ao público que tal fato foi “comprovado cientificamente”. Oras, se alguém deprecia a ciência o tempo todo, que valor tem essa pessoa dizer que tal fato foi “comprovado cientificamente”?

Na verdade, como quase tudo, o problema exige um mínimo de bom senso. Mas para o bom senso poder existir é preciso mais instrução, mais formação e mais esclarecimento. Só com informação, conhecimento e um certo nível de consciência, é possível que o ser humano transforme a sua capacidade multidisciplinar em realidade e torne possível a existência da convivência pacífica e verdadeiramente inteligente.